Fala-se tanto do digital na escola, da Khan Academy, da inclusão social, da conectividade, das Apps, da Coreia, das redes sociais fechadas, dos tablets, da pedagogia, dos professores e alunos, do PISA e tudo o resto.
Fala-se muito e faz-se pouco, verdade? Será que um determina o outro? Creio que sim.
Falar muitas vezes obstrui o fazer. Discutir, ponderar, predicar, avaliar, especular, refletir, experimentar, analisar e ponderar em geral, são bons verbos para o senso comum, caros para a democracia e para a ciência e viciantes no mundo académico, mas talvez agora nos estejam confundindo.
E agora discutimo-los, e eles também se discutem a si próprios. Mas dizer «agora» é o mesmo que dizer «depois». Não presenciei nem soube de nenhum debate prévio sobre se a Wikipedia é boa ou má para a sociedade do séc. XXI. Boa, normal ou má, é agora, sobre fatos consumados que discutimos a Wikipedia, que a ponderamos.
O sistema educativo faz o contrário, ou seja, não faz. Tanto faz como não faz. E começa por discutir e debater. E arrisca-se assim a cair no indizível sem se dar conta. Debate a toda a hora o que se passaria se fizesse… atrás de portas fechas, endogenamente.
O tsunami digital já aí está, até já passou, e deixou-nos o que deixou. Mas os professores ainda discutem se haverá um tsunami, e sobretudo, se será útil, conveniente, necessário, potenciador, adequado, pertinente, eficiente e integrado nos modelos pedagógicos, institucionais e operacionais dos sistemas educativos imperantes. Como se fossem essas as ordens; como se tivéssemos essa possibilidade. Temos um atraso concetual inédito.
Esquecemo-nos dos investimentos. Esquecemo-nos de que as coisas não são assim. Temos de nos salvar!
Porque a densa atmosfera digital que nos envolve, que traz o que é bom e o que é mau e que nos redefine, pressiona cada vez mais os vidros das janelas do sistema educativo. Já tocou educadamente à porta mil e uma vezes e não a abrimos. Queiramos ou não, o vírus digital tomou-nos os recreios, os balneários, os parques, as casas, as ruas, o espaço sob as mesas, as saias e as últimas filas da sala. No entanto, continuamos a ver quando, como, em que proporção, em que momento, sob que administração e com que software, etc…
Ou nos instruímos ou seremos arrasados, se ainda não tivermos sido. Manipulamos falsas opções; ponderamos cenários caídos.
Em definitivo, o debate digital na educação não é se nos digitalizamos ou não, é como e em que sentido o fazemos, mas sobre essa vaga. A escola, que todos querem regular, não regula estas vagas; a escola, em todo o caso, tem a oportunidade de dirigir a sua prancha de surf. A escola, que não sabe deixar-se levar, de trabalhar com a força alheia, tem de aprender a toda a velocidade; redefinir-se, digamos. Convém recordar que a escola é uma instituição humana, não uma instância divina. Não estamos a discutir se há ou haverá vagas digitais, mas sim como surfá-las. É outro debate. Devemos inverter a nossa posição e recolocar as nossas expetativas. Porque se não discutirmos como surfá-las, e sobretudo se não aprendermos a surfar, as mesmas vagas digitais que poderiam impulsionar-nos passarão por cima de nós e poderão chegar às instituições.
A escola tem de entender que, desta vez, não controla nem manda. Isso é bom para o sistema educativo? Não sei, mas é. E assumir que é, dá-nos a possibilidade de tirarmos partido disso, professores e educadores. O Twitter, por exemplo, que transborda de estupidezes, serviu também para derrotar o ditador.
A escola não sabe como gerir o que não controla e assusta-se. Ela até acredita, por vezes, que tem a obrigação de controlar. Mas nos ambientes digitais já não controla a interação social, não controla nem monopoliza o saber, não maximiza a frente, não verticaliza os processos políticos da aula e da instituição, não sabe tudo o que se passa, não orienta e não acaba nos seus muros, nas suas salas e nos seus zeladores. E quando a escola não controla, não se reconhece; e quando não se reconhece perde a identidade.
Estamos perante um fenómeno liminar. A escola não escolarizará o digital nem o digital cederá. O duelo é mais profundo e os prognósticos não referem quem vencerá, nem como será o novo modelo. Inversões profundas, como se vê; apelo firme à nossa capacidade de reposição intelectual.
Eu sou otimista. Sou, porque estou convencido de que a escola que defendemos já tem poucas fortalezas (o PISA apoia-me, inclusivamente) e também porque o que aí vem traz coisas que me interessam muitíssimo para a sala de aula e para as nossas crianças. Por exemplo, essa interação compulsiva entre os utilizadores do meio 2.0; e como isso impulsiona a produção, a coprodução, a colaboração e tudo o resto; como tudo encarna e se adapta a cada um. Aprendizagem significativa, era o que lhe chamávamos.
Escolhi o título INVESTIMENTOS NA EDUCAÇÃO de forma completamente deliberada, para ser lido assim. Mas defraudei, enganei, traí; usei as expectativas mais comuns para introduzir a minha mensagem. Não falei de dinheiro, nem de taxas, nem de PIBs, e levei a água ao meu moinho. As minhas desculpas, mas em tempos de turbulência e urgência, precisamos destes truques e provocações. Se não…
«Era de inversões», seria do que eu queria falar: inversão da ordem de processos e debates, colocando o digital à frente, como dado adquirido, para então surfarmos a vaga, definindo, com arte, elegância e harmonia, ainda que com risco, como a surfamos e em que sentido. Não é uma má proposta, pois não? É positiva perante tudo o que carregamos há tanto tempo nesse tema da educação e tecnologia.
Pablo Doberti @dobertipablo
Diretor Global da UNO Internacional
Mais informações em:
http://toyoutome.es/pt/blog/inversiones-en-educacion/19441